“O teishoku que comemos nos restaurantes não é uma tradicional comida japonesa”, explica Hirakawa, 61 anos, um dos únicos cozinheiros no Brasil com aprendizagem em restaurante tradicional japonês.
Hirakawa começou como “minarai”, aprendiz, aos 16 anos de idade, no famoso Kappô Katsuroku da província de Miyasaki.
De origem humilde a família Hirakawa passava por dificuldades e não podia custear os estudos dos filhos. Também não havia muitas opções de trabalho em 1952, no Japão arrasado pela guerra. Ao jovem Isao surgiu a oportunidade de ser auxiliar de sapateiro ou ajudante de cozinheiro. Preferiu a segunda opção, pois pelo menos poderia comer à vontade. E essa era a única vantagem, para quem tinha um salário de 600 ienes (no câmbio atual equivale a R$5,00) por mês e dormia no emprego. O expediente iniciava todos os dias, inclusive nos finais de semana, às 5 da manhã, e terminava às 11 da noite. Ao principiante cabia a tarefa de limpar a geladeira enquanto se aguardava a chegada dos ingredientes do mercado. Com uma rígida hierarquia, os 2 ajudantes mais novos, do total de 8, deveriam acordar antes dos demais e dedicar-se aos trabalhos mais cansativos. Uma panela mal lavada,por exemplo, poderia render uma panelada na cabeça, se os superiores ficassem irritados. Já no segundo ano, o aprendiz passava a limpar peixes, e no terceiro, com alguma sorte, poderia fazer arranjos de pratos. Finalmente no quarto ano, começar a fazer frituras. Mas muitos não passavam do primeiro ano. Hirakawa conta que chegou a fugir do restaurante um ano depois de começar o trabalho. Mas seu pai não o aceitou em casa e ele teve que se resignar a continuar a sua longa jornada.
Diariamente às 9 horas, o chefe da cozinha apresentava o menu do dia e os cozinheiros e ajudantes começavam os preparativos para as refeições que seriam servidas à noite, pois aquele restaurante só abria para o jantar e só para as pessoas que tinham reservas com um dia de antecedência.
Apesar de gigantesco, só atendia no máximo 50 pessoas pois o restaurante, divido em ozashiki (salas privadas), servia também para apresentação de gueixas. Dificuldade econômica e falta de alimentos em todo o país, não alterava a rotina o Kappô Katsuroku, o mais sofisticado estabelecimento da província. Governadores, artistas e grandes empresários, em sua viagem, jantavam naquele local, que chegou a servir ao Imperador Hiroito.
Cada cliente pagava pelo menos 5000 ienes por uma refeição, ou seja, quase dez vezes o que Isao recebia por um mês de trabalho, com apenas dois descansos de meio período.
O alto preço era justificado pelos cuidados dos cozinheiros em todos os detalhes, começando pelos ingredientes que vinham de todo o arquipélago, muitas vezes por via aérea para que não perdessem o frescor original. Serviam desde baiacu até tartaruga, num menu cuidadosamente preparado, que quase não se repetia durante 365 dias por ano.
Os aprendizes podiam experimentar esses pratos?
“Não”, responde o cozinheiro, que explica a existência de um refeitório exclusivo para os funcionários da casa: “Não faltava comida mas a refeição dos funcionários era feita por outros cozinheiros e era bem diferente da que nós ajudávamos a preparar”.
“A culinária de cada povo evolui de acordo com a história e a disponibilidade de ingredientes” ensina Hirakawa, que enumera como tradicionais, o tsukemono (legumes em conserva), missoshiru (caldo com massa de soja), gohan (arroz branco), yakisakana (peixe grelhado), e o tofu (queijo de soja) que já tem 300 anos.
No período Edo (que durou até 1868) já existiam as combinações de pratos conhecidos como Ishû Issai, uma espécie de teishoku bem simples, com apenas um ozaku (que podia ser um peixe grelhado), e o Ishû Nissai, com dois ozaku.
Na Era Meiji, com a abertura dos portos para o estrangeiro, é que vieram mais ingredientes, que possibilitaram a criação de pratos como sukiyaki, já que havia pouco carne vermelha no país. Mesmo o sushi e o sashimi são pratos recentes. A falta de geladeira impedia o transporte dos peixes que precisam estar frescos. Assim, até pouco antes da Segunda Guerra Mundial, só se poderia fazer sushi com ingredientes muito bem cozidos, e com bastante vinagre para conservar mais tempo. O tempurá também é recente, pois o óleo era mais usado para iluminação e só os senhores feudais podiam comer frituras.
Um dos pratos mais antigos e que resiste ao tempo é o kaiseki. Inicialmente era uma refeição para monges, bem simples, composto apenas de tsukemono e okayu, arroz cozido com bastante água. Passando a complementar a cerimônia do chá, o kaiseki foi se sofisticando, até se tornar um prato variado, servido em requintados restaurantaes. Uma pessoa comum tem poucas chances de conhecer um kaiseki completo. Ele é servido em cerimônias sociais tradicionais como casamento, mas geralmente os anfitriões oferecem um kaiseki com uma quantidade reduzida de pratos.
Isao Hirakawa – começou como aprendiz em Miyasaki, onde ficou 4 anos e depois de passar um ano no Kappô Shintarô de Tóquio, veio se aventurar no Brasil. Depois de um mês numa fazenda em Ibiúna, trabalhou no extinto restaurante Aoyagi, que seguiu o modelo das grandes casas japonesas, e chegou a ter 120 empregados. Com o fechamento deste, em 1972 passou para o restaurante do PL Golf Club, onde continua até hoje.
fonte: culturajaponesa.com.br